Como comentamos no post anterior, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão pela descriminalização da maconha para uso pessoal.
A votação entre os Ministros foi finalizada na última quarta-feira (25/06/24). Ontem (26/06/24), entre outras questões burocráticas, foi definida a quantidade para caracterizar o usuário da substância psicoativa (Art. 28 da Lei de Drogas) e diferenciar daquele que seria traficante (Art. 33 da Lei de Drogas), até que o Congresso providencie a legislação sobre o tema.
QUAIS SÃO AS MUDANÇAS CAUSADAS POR ESSE JULGAMENTO?
O STF não legalizou (não liberou geral) a maconha. Houve a descriminalização, ou seja, a conduta prevista no artigo 28 da Lei de Drogas ("Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas [...]") deixou de ter efeitos penais. Para que maconha fosse legalizada, seria necessária a criação de uma lei pelo Poder Legislativo ou uma alteração pela Agência de Vigilância Sanitária, retirando-a do rol de substâncias ilícitas.
Como a legislação vigente no País não distingue a quantidade determinante para identificar se a droga é destinada ao consumo próprio ou para tráfico, qualquer caso poderia ser enquadrado no último, a depender das circunstâncias da abordagem. Agora, a decisão trouxe um critério objetivo de até 40 gramas ou 6 plantas fêmeas da maconha para diferenciar o usuário da substância (Art. 28 da Lei de Drogas) daquele que comete (em tese) o crime de tráfico de drogas (Art. 33 da Lei de Drogas).
Esse parâmetro, no entanto, será relativo e não servirá quando, no caso concreto, existirem outras circunstâncias que possam indicar a existência do delito de tráfico, como, por exemplo, nos termos da decisão: “a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade das substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho de celular contendo contatos de usuários/e ou traficantes”.
A análise inicial, do momento da apreensão, dependerá da Autoridade Policial, que, se entender por afastar a presunção de usuário, deverá esclarecer, com base em motivação concreta, o que levou a tal conclusão. E, aqui, a nossa principal crítica: qual será a mudança efetiva para evitar que injustiças continuem a ocorrer? Será que continuaremos sendo alvo de uma “descriminalização seletiva”, a depender da cor de pele do agente ou sua classe social? Ainda estaremos vinculados às impressões subjetivas daquele que aborda o sujeito, pautado em infundada suspeita, classificando-o como traficante e não usuário, mesmo tendo sido respeitada a quantidade já pré-estabelecida?
Em caso de prisão, a análise das razões expostas pela Autoridade Policial para realizar o flagrante também deverá ser feita pelo Juiz, em audiência de custódia.
A apreensão de droga em quantidade superior ao estabelecido na decisão do STF não leva, obrigatoriamente, à conclusão pelo crime de tráfico de drogas. Caberá ao Juiz analisar as provas e o caso em concreto para determinar se o sujeito de fato não ostenta a condição de usuário.
Em se tratando do artigo 28 da Lei de Drogas, como o STF não alterou o dispositivo e não deixou de prever a aplicação de reprimendas, quem tiver maconha em sua posse para uso pessoal, mesmo na quantidade fixada como de uso próprio, poderá sofrer sanções administrativas como advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Com relação aos processos criminais em andamento, existe a possibilidade de, a depender do caso, pleitear o arquivamento, em razão da decisão favorável ao réu, com reflexos para casos semelhantes, no sentido de que a posse de maconha para uso pessoal deixou de ser crime. É o que chamamos no direito de “abolitio criminis”.
É possível, ainda, após uma análise individualizada do caso, pleitear a revisão da pena de pessoa condenada. Isso porque, alguns Tribunais do País entendiam que a condenação pelo artigo 28 da Lei de Drogas gerava “maus antecedentes”, que tem como consequência o aumento da pena-base, ainda que os Tribunais Superiores já tivessem se manifestado pela impossibilidade. Atualmente, como a decisão extirpou os efeitos penais da conduta, ainda mais sem razão é a sua consideração como "maus antecedentes".
Por fim, vale destacar que o STF não criou nenhuma lei, apenas proferiu uma decisão judicial, no contexto de um processo, após um recurso ingressado pela Defensoria Pública, e interpretou uma norma (sua competência). Legislar, ou seja, criar leis, é atribuição do Congresso.
Continuamos à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas e prestar o suporte necessário para entender as implicações dessa nova legislação.
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